Ariano Suassuna era conhecido, entre outros, pela interação com o público - Hans Von Manteuffel / Agência O Globo
De
“O Globo”, Por Letícia Lins/Breno Salvador
RECIFE e RIO
— Ariano Suassuna por pouco não morreu como gostaria: no palco. Na quarta-feira
(16), o escritor havia dado uma aula-espetáculo para 1.600 pessoas no Teatro
Castro Alves, em Salvador, cumprindo o "Arte como Missão", projeto
cultural sobre sua obra que vem percorrendo todo o país. No palco, falou
sozinho e foi aplaudido de pé. O tema que abriu a ocasião foi justamente a
morte. Dois dias depois, fez sua última apresentação, em Garanhuns, onde não
deixou de lado o bom humor.
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— Ele
começou falando sobre a morte. “Eu até pedi para Caetana (expressão que
representa a morte) que ela não viesse em 2014, só para ver essas homenagens
todas que fazem. Estou tentando não ficar vaidoso”, ele brincou — conta Ana
Addobbati, jornalista e executiva de marketing pernambucana que mora em
Salvador e acompanhou a aula na capital baiana.
Segundo Ana,
Ariano encerrou a apresentação com uma poesia que escreveu para o pai. “Não sou
conhecido como poeta. Me perdoem se não acharem bom”, brincou, antes de
declamar a homenagem. Ela conta também que o escritor teve de encerrar sua
participação mais cedo, em função do cansaço e da fragilidade de saúde.
— Uma colega
paulista comparou a ocasião a uma partida de Copa do Mundo. Senti que foi bem
como uma despedida, porque ele poderia partir logo. Sou torcedora do Sport e
sempre torcia ao lado dele na Ilha do Retiro. Ele falava com todo mundo. Era
tão importante, mas alguem tão acessível também. Quando fiz uma peça no
colégio, aos 15 anos, ele foi. Muita gente relata situações deste tipo. Ariano
era gente como a gente.
A
APRESENTAÇÃO DERRADEIRA
Na sexta,
Ariano viajou para a cidade de Garanhuns, a 230 kms da capital pernambucana,
onde deu outra aula-espetáculo, acompanhado de músicos e bailarinos. A aula foi
"tributo a Capiba", um dos mais famosos compositores de frevo do
Recife, e com o qual Ariano dividiu a autoria de duas canções.
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O teatro
onde falou estava lotado, com mais de 800 pessoas que o ouviram atentamente e
também o aplaudiram de pé. O espetáculo tinha previsão de durar uma hora e
vinte minutos, mas prolongou-se por duas horas e dez minutos. Ao final, um dos
espectadores perguntou o que ele achava do cantor Michel Jackson, já falecido,
ser considerado um dos melhores dançarinos da raça negra. Com a paciência de
sempre e a simplicidade dos sábios, ele anunciou:
— Vocês vão
ver agora um dos melhores bailarinos do mundo.
E chamou ao palco o bailarino popular Gilson Santos, mais conhecido em Pernambuco como Meia Noite, que desenvolve trabalho social em uma comunidade pobre do Recife, a Chão de Estrelas.
Leve como um
pássaro, Meia Noite, que também é negro como o americano, deu seu show. E
Ariano retrucou:
— Invocar a
raça negra é um recurso que se usa, mas na verdade, só existe uma raça, a raça
humana — disse.
Ariano
recolheu-se depois ao hotel, em Garanhuns, e ainda foi homenageado na manhã
seguinte. Voltou ao Recife, disposto, falante e feliz, segundo um dos seus
assessores, Samarone Lima. No Recife, passou mal na segunda-feira e foi
internado. Ele dizia que se morresse no palco, morreria realizado. Por poucos
dias, seu desejo não foi realizado. desejava uma "morte limpa"
(rápida e sem sofrimento). O desfecho foi como ele sempre pediu, o sofrimento pela
enfermidade não teve longa duração.
O velório de
Ariano tem início marcado para as 23h da quarta-feira, sede do governo
estadual. O sepultamento ocorre na quinta, no cemitério Morada da Paz, no
município de Paulista, localizado na região metropolitana.
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